O relacionamento do homem e da mulher unidos em matrimônio é apresentado por São João Paulo II como o “sacramento primordial” (TdC 98), pois se relaciona com o sacrifício redentor de Cristo (cf. Ef 5, 25) do qual emanam todos os sacramentos. Isso foi muito bem explanado pelo Papa ao refletir sobre a dimensão da ‘aliança e da graça’, mas logo que concluiu as reflexões do matrimônio sob esta perspectiva, ele dá continuidade se voltando para a dimensão do ‘sinal’ sacramental. Neste ciclo de catequeses, proferidas entre 5 de janeiro de 1983 e 4 de julho de 1984, o Papa introduz conceitos como ‘linguagem do corpo’, ‘profetismo do corpo’, além de refletir sobre textos bíblicos do livro de Tobias e Cânticos dos Cânticos.
Quanto ao sacramento do matrimônio, São João Paulo II explica que: “O matrimônio como sacramento é contraído mediante a palavra, que é sinal sacramental em virtude do seu conteúdo. (…) Todavia, esta palavra sacramental é, em si, apenas um sinal do ‘vir a ser’ do matrimônio. (…) Sem a consumação, o matrimônio não está ainda constituído em sua plena realidade. De fato, as próprias palavras ‘Eu te recebo como minha esposa – meu esposo’ só podem ser cumpridas através da cópula conjugal.” (TdC 103). Aqui o Papa faz uma distinção entre o que é proclamado no altar pelo casal diante das testemunhas presentes e o que é realizado de fato através do ato conjugal no leito nupcial. Primeiramente o casal declara o seu amor de forma pública, para que em seguida possa consumar esta união na intimidade.
Esta harmonia entre o que é dito e o que é vivido deve ser fundamento da vida cristã. Não é por acaso que Jesus foi tão severo com a hipocrisia dos fariseus e dos chefes da lei. Caso não haja coerência entre o que é dito com o que é vivido a vida passa a ser uma mentira. Aí está um risco para os casais que decidem se unir em matrimônio, pois as promessas proclamadas no altar de fidelidade e de fecundidade, por exemplo, nem sempre são cumpridas, o que corrompe totalmente a vivência do casal e, por consequência, de toda a família.
Por isso a liturgia do matrimônio tem um papel tão importante. É preciso que o casal tenha plena consciência do que estão prometendo um ao outro, pois também o fazem diante de Deus. São João Paulo II diz que: “A liturgia do sacramento do matrimônio dá forma àquele sinal: diretamente, durante o rito sacramental, com base no conjunto das suas eloquentes expressões; indiretamente, no espaço de toda a vida. O homem e a mulher, como cônjuges, carregam este sinal por toda a sua vida e permanecem sendo este sinal até a morte.” (TdC 103). Este sinal é, inclusive, bem definido no ato conjugal que o casal vivenciará ao logo de sua vida, pois é ali que ambos renovarão as promessas feitas no altar de fidelidade e fecundidade. Por isso é tão séria a prática de certos (maus) hábitos sexuais de nosso tempo, como o utilitarismo e a contracepção, já que o utilitarismo fere a promessa de fidelidade, enquanto a contracepção fere a promessa de fecundidade. Ambas as promessas foram feitas pelo casal com um recíproco ‘sim’, porém não adianta falar um ‘sim’ e viver um ‘não’. Esta atitude além de ferir o sinal deste sacramento, torna-o, na prática, uma mentira.
São João Paulo II ilumina esta reflexão ao falar do ‘profetismo do corpo’: “Com base no ‘profetismo do corpo’, os ministros do sacramento do matrimônio realizam um ato de caráter profético. Confirmam deste modo a sua participação na missão profética da Igreja. Um ‘Profeta’ é aquele que expressa com palavras humanas a verdade proveniente de Deus, aquele que profere tal verdade em lugar de Deus, no seu nome e, em certo sentido, com a sua autoridade.” (TdC 105). Ao assumir este profetismo, o casal rompe com a mentira proveniente dos atos que corrompem a convivência conjugal, como os citados acima, tanto no sentido sexual quanto afetivo.
O casal é convidado por Cristo a viver esta dimensão profética através da ‘linguagem do corpo’, porém São João Paulo II afirma que também os celibatários são chamados, por meio da continência, a viver esta linguagem ou ‘profetismo do corpo’: “O homem é, em certo sentido, incapaz de expressar essa linguagem singular de sua vocação e existência pessoal sem o corpo. Ele é constituído de tal modo, desde o ‘princípio’, que as mais profundas palavras do espírito – palavras de amor, de entrega, de fidelidade – exigem uma adequada ‘linguagem do corpo’. E sem ela não podem ser plenamente expressas. Sabemos pelo Evangelho que isso se refere quer no matrimônio quer à continência ‘por amor ao Reino dos Céus.” (TdC 104).
No final desta reflexão sobre o profetismo e a linguagem do corpo, São João Paulo II faz uma advertência, pois as pessoas podem expressar com o seu corpo tanto a verdade quanto a mentira, levando em conta o modo como vivem e se relacionam. Por isso, ele explica que a expressão do corpo, no âmbito do consentimento matrimonial, pode revelar também falsidade, tornando o casal como que ‘falsos profetas’: “Se nos colocarmos na perspectiva ‘orientada ao futuro’ do consentimento matrimonial, que como já dissemos – oferece aos esposos particular participação na missão profética da Igreja, transmitida pelo próprio Cristo, pode-se neste caso, usar também a distinção bíblica entre profetas ‘verdadeiros’ e profetas ‘falsos’. Através do matrimônio enquanto sacramento da Igreja, o homem e a mulher são explicitamente chamados a dar testemunho – servindo-se corretamente da ‘linguagem do corpo’ – do amor esponsal e procriativo, um testemunho digno de ‘verdadeiros profetas’. Nisto consiste a verdadeira importância e a grandeza do consentimento matrimonial na sacramento da Igreja.” (TdC 106). Deste modo, o Papa nos convida a sermos autênticos profetas, ao utilizarmos do nosso corpo conforme o projeto de Deus.
Por Valdo Júnior | Missão Maria de Nazaré
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- #27 – Dimensão da aliança e da graça no Matrimônio
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- #30 – O matrimônio e a redenção do corpo
- #31 – Matrimônio e a dimensão do sinal