Jesus no sermão da montanha utiliza de uma abordagem muito inspiradora para catequisar e anunciar o Reino de Deus. No Evangelho de São Mateus (capítulo 5), Ele inicia com as bem-aventuranças, que são um chamado claro a vida de santidade e à plenitude. Mais adiante, o discurso muda, e passa da finalidade para os meios, ou seja, primeiro Ele nos fala do que devemos e queremos ser (santos e felizes), para os meios de se chegar até este fim. É neste momento, que Jesus eleva a um outro nível a lei, ao nível do amor e da profundidade de nossos atos. As palavras do Senhor nos levam à interioridade, as intenções de nossas ações. Em outras palavras, Ele nos conduz ao nosso coração.
São João Paulo II, ao meditar esta abordagem de Jesus, principalmente no que se refere a questão da sexualidade e do olhar luxurioso (Mt 5 27-28), diz que: “Se nas palavras analisadas do Sermão da Montanha o coração humano é ‘acusado’ de concupiscência (ou se é posto em guarda contra aquela concupiscência), simultaneamente mediante as mesmas palavras é ele chamado a descobrir o sentido pleno daquilo que no ato de concupiscência constitui para ele um ‘valor não suficientemente apreciado’.” (TdC 45). Nestas palavras, o Papa levanta uma questão importante de ser refletida: Por meio das exortações de Jesus, o coração humano é acusado ou é chamado? E o Papa mesmo responde que tanto um quanto o outro, ou seja, Jesus acusa o coração da concupiscência existente, mas também nos chama a descobrir ‘o sentido pleno’ do que é a concupiscência.
É, portanto, um chamado para viver o amor autêntico, no qual a concupiscência não domina. Se tomamos consciência de todo o mal que nossas más inclinações nos causam, seremos capazes de agir com mais prudência. As nossas lutas contra a tentação devem começar dentro de nós. O chamado de Jesus é neste sentido, pois nos voltando para dentro de nós, não iremos nos preocupar somente com o que fazemos, já que o que fazemos é a consequência das nossas intenções. A raiz do pecado está, então, na intenção do coração e por isso devemos buscar a transformação interior, como nos diz Deus pela boca do profeta: “Dar-vos-ei um coração novo e em vós porei um espírito novo; tirar-vos-ei do peito um coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne.” (Ez 36, 26). Mas como fazemos isso? Esta pergunta é feita pelo próprio Papa: “Uma outra questão surge de mãos dadas com essa, uma questão mais ‘prática’. Como alguém que aceita as palavras de Cristo no Sermão da Montanha ‘pode’ e ‘deve’ agir? (TdC 44).
Para alcançarmos esta resposta, precisamos voltar alguns versículos e ler aquelas mesmas bem-aventuranças anunciadas por Jesus no começo do Sermão da Montanha. Assim compreenderemos bem o que elas querem nos ensinar: “bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus!” (Mt 5, 8). Esta talvez seja aquela, dentre as outras, que responde esta questão, pois é com um coração puro que agradaremos a Deus. É isso que Ele deseja de nós, esta é a Sua vontade, como nos fala São Paulo: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que eviteis a impureza;” (I Tess 5, 3). O apóstolo ainda ratifica esta afirmação mais adiante: “Pois Deus não nos chamou para a impureza, mas para a santidade.” (I Tess 4, 7).
Deste modo, a pureza de coração é o meio para alcançarmos a santidade. Esta virtude deve conduzir nosso olhar, nosso ouvir, nosso tocar, enfim, todos os nossos sentidos e pensamentos. Porém, devemos tomar cuidado com os excessos, pois a virtude está no centro, no equilíbrio. Sobre isso, São João Paulo II diz que: “O homem ‘histórico’ valoriza sempre, a seu modo, o próprio ‘coração’, assim como julga também o próprio corpo: e assim passa do polo do pessimismo ao polo do otimismo, da severidade puritana ao permissivismo contemporâneo” (TdC 44). Tanto o puritanismo, quanto o permissivismo são reprováveis, pois nos conduz a uma vivência equivocada do nosso corpo e da nossa sexualidade. A pureza é, portanto, a virtude que ordena nossa afetividade e a nossa sexualidade, a começar por dentro, pelo coração.