A redenção de Cristo é o fato mais marcante da história da humanidade. Foi através do seu sacrifício salvífico na cruz que todo o homem e toda a mulher deixaram sua condição decaída, para assumirem a condição de redimidos, pois embora o peso do pecado original ainda esteja presente no ser humano, a restauração do sangue de Jesus nos possibilitou novamente o acesso a graça santificante.
Sobre a redenção de Cristo, São João Paulo II diz que: “Com base no amor esponsal de Cristo pela Igreja, o sacramento da redenção – fruto do amor redentor de Cristo – torna-se uma dimensão permanente da própria vida da Igreja, dimensão fundamental e vivificante. (…) Deste modo, a Igreja vive do Sacramento da Redenção, e por sua vez completa este sacramento. (…) Podemos acrescentar que a Igreja, unida a Cristo, como a mulher ao próprio marido, extrai do sacramento da redenção toda a sua fecundidade e maternidade espiritual.” (TdC 97). Aqui o Papa faz uma associação da união matrimonial com a união de Cristo e a Igreja, assim como fez São Paulo na carta aos Efésios (capítulo 5), porém apresentando a Igreja como aquela que completa o sacrifício de Cristo, pois o amor é pleno quando é recíproco.
São Paulo explica a necessidade do corpo místico de Jesus (a Igreja) completar o seu sacrifício salvífico e, portanto, plenificar o Sacramento da Redenção: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja.” (Cl 1, 24). Isso não significa que o sacrifício de Jesus não tenha sido total e suficiente, mas que é necessário que a Igreja esposa, para se unir ao seu esposo, se entregue como Ele se entregou. O matrimônio cristão passa a ser neste sentido um sinal valioso da comunhão que Deus pretende realizar com a humanidade para toda eternidade. O casamento eterno, as núpcias do cordeiro (cf. Ap 19, 9), nos unirmos a Deus e contempla-lo face a face é nossa finalidade última, a fonte de toda felicidade, porém é necessário que a Igreja, que é cada homem e mulher batizados, estejam dispostos a assumir em sua vida a vida de Jesus, acolhendo toda e qualquer tribulação por amor a Ele.
O sacramento do matrimônio, para São João Paulo II, não é apenas um sinal o amor esponsal de Cristo pela Igreja, é um sacramento essencial, ao ponto de defini-lo como ‘sacramento primordial’. Sobre isso o Papa explica que: “O matrimônio como sacramento primordial constitui a figura (e, por conseguinte: a semelhança, a analogia), segundo a qual é constituída a estrutura básica fundamental da nova economia da salvação e da ordem sacramental, que tem origem na graça esponsal que a Igreja recebe de Cristo, juntamente com todos os bens da Redenção. (…) Refletindo bem sobre esta dimensão, seria necessário concluir que todos os Sacramentos da Nova Aliança, em certo sentido, encontram seu protótipo, de certo modo, no matrimônio como sacramento primordial. Isto parece sobressair na clássica passagem citada da Epístola aos Efésios.” (TdC 98). Deste modo, os Sacramentos que surgem do sacrifício de Cristo na Cruz (como sinal da água e do sangue jorrados de seu peito aberto), embora instituídos anteriormente por Ele, encontram na cruz seu fundamento, e, por tanto, de certo modo, no matrimônio, já que sua morte redentora foi uma entrega total como esposo à sua esposa (Igreja), como aponta São Paulo (cf. Ef 5, 25).
Mas podemos nos perguntar, como a Igreja poderá na prática corresponder a este amor? É certo que devemos nos submeter a Cristo e, como dito acima, assumir em nossa carne as tribulações que faltaram em sua paixão. Mas o que faltou? Embora seu sacrifício tenha sito total ao assumir a nossa condição humana, muitas realidades que hoje vivenciamos Cristo não viveu, como por exemplo as tribulações do casamento, da criação dos filhos, dos desafios cotidianos da família e etc. Tudo isso assumido como sacrifício por amor, completa na nossa carne as tribulações de Jesus e nos une a Ele. É deste modo que o matrimônio se torna um meio de redenção do corpo, como ensina São João Paulo II: “Enquanto sacramento nascido do mistério da Redenção e renascido, em certo sentido, do amor esponsal de Cristo e da Igreja, o matrimônio é uma eficaz expressão do poder salvífico de Deus, que realiza o seu plano eterno mesmo depois do pecado e apesar da tríplice concupiscência escondida no coração de cada homem, varão e mulher. Como expressão sacramental desse poder salvífico, o matrimônio é também uma exortação a dominar a concupiscência (como diz Cristo no sermão da montanha). Um fruto deste domínio é a unidade e indissolubilidade do matrimônio, e, além disso, um aprofundado sentido da dignidade da mulher no coração do homem (como também da dignidade do homem no coração da mulher), quer na convivência conjugal, quer em todos os outros âmbitos das relações recíprocas.” (TdC 101)
Para conseguir dominar a si mesmo e vencer a concupiscência é preciso que o homem e a mulher reencontrem o caminho da dignidade recíproca e da santidade: “O ‘homem histórico’, depois do pecado e em consequência da sua pecaminosidade hereditária, deve encontrar de novo a dignidade e a santidade da união conjugal ‘no corpo’, com base no mistério da redenção.” (TdC 100). O caminho apresentado por São João Paulo II para reordenar o coração humano nesta direção é a busca de uma vida ‘segundo o espírito’. Esta expressão, também retirada de São Paulo (cf. Rm 8, 9), expõe de maneira clara o que deve orientar e conduzir o coração humano, ou seja, não deve ser as inclinações ou os instintos carnais, mas o Espírito Santo que habita em nós. Para viver um matrimônio ‘segundo o espírito’ o Papa explica que: “Aqueles que, como cônjuges, segundo o eterno desígnio divino se unem a ponto de se tornarem, em certo sentido, ‘uma só carne’, são também por sua vez chamados, mediante o sacramento, a uma vida ‘segundo o Espírito’, de modo que tal vida corresponda ao ‘dom’ recebido no sacramento. Em virtude deste ‘dom’, ao conduzirem como cônjuges uma vida ‘segundo o Espírito’, eles são capazes de descobrir o particular dom gratuito de que se tornaram participantes. Enquanto a ‘concupiscência’ ofusca o horizonte da perspectiva interior e priva os corações da lúcida claridade dos desejos e das aspirações, por sua vez a vida ‘segundo o Espírito’ (ou seja, a graça do sacramento do matrimônio) permite que homem e mulher encontrem a verdadeira liberdade do dom, junto com a consciência do sentido esponsal do corpo em sua masculinidade e feminilidade. (TdC 101). E deste modo, conduzindo suas vidas ‘segundo o espírito’, além de estarem mais unidos a Deus e entre eles mesmos, poderão transbordar este amor por meio da procriação, e assim, alcançarem com a graça de Deus a dupla finalidade do sacramento do matrimônio: a fidelidade e a fecundidade.
Por Valdo Júnior | Missão Maria de Nazaré
- #1 – Teologia do Corpo do Papa João Paulo II
- #2 – Em colóquio com Cristo sobre os fundamentos da família
- #3 – A redenção do corpo
- #4 – O Ser humano Integral
- #5 – O homem original: solidão, unidade e nudez
- #6 – A solidão original
- #7 – A unidade ou comunhão original
- #8 – A nudez original
- #9 – O significado esponsal do corpo
- #10 – A inocência original
- #11 – Conhecimento e procriação
- #12 – Cristo se refere ao coração humano
- #13 – À luz do sermão da montanha
- #14 – O significado da vergonha
- #15 – O homem da concupiscência
- #16 – Mandamento e Ethos
- #17 – O coração: acusado ou chamado
- #18 – O maniqueísmo
- #19 – Os ‘mestres da suspeita’
- #20 – Pureza como “Vida segundo o Espírito”
- #21 – Cristo se refere à Ressurreição
- #22 – A Realidade da Ressurreição
- #23 – A ressurreição e o significado esponsal do corpo
- #24 – Um novo Adão
- #25 – O Celibato para o Reino dos Céus
- #26 – Celibato e Matrimônio
- #27 – Dimensão da aliança e da graça no Matrimônio
- #28 – Analogia esponsal
- #29 – Mistério e Dom no amor esponsal
- #30 – O matrimônio e a redenção do corpo