Por definição, pode-se dizer que as catequeses sobre a Teologia do Corpo são reflexões acerca do amor humano no plano divino. Estas reflexões feitas por São João Paulo II no início de seu pontificado iluminam a compreensão tanto do relacionamento do homem com a mulher, como também a relação de Deus com a humanidade. Este é o papel fundamental da analogia esponsal apresentada pelo Papa: relacionar o amor humano, principalmente no âmbito do matrimônio, ao amor de Deus, que deseja também se unir a sua criação com amor de comunhão, ou seja, um ‘amor esponsal’. Sobre isso São João Paulo II explica: “A analogia do amor esponsal contém em si uma característica do mistério, que não é diretamente posta em relevo nem pela analogia do amor paterno (ou de qualquer outra analogia usada na Bíblia, a que poderíamos ter nos referido). A analogia do amor dos esposos (do amor esponsal) parece pôr em relevo acima de tudo o aspecto do dom de si mesmo por parte de Deus ao homem. (…) Este dom é certamente ‘radical’ e por isso ‘total’ (e irrevogável). (…) segundo tal medida, o dom feito ao homem por parte de Deus em Cristo é um dom “total”, ou seja, “radical”, como indica precisamente a analogia do amor esponsal: é, em certo sentido, “tudo” o que Deus “pôde” dar de si mesmo ao homem, consideradas as faculdades limitadas do homem enquanto criatura.” (TdC 95).
Podemos entender, portanto, que o amor esponsal faz referência ao modo mais elevado do amor, pois está relacionado a união do homem e da mulher no matrimônio, no qual se tornam “uma só carne”. Neste sentido, o que Deus pretende é se unir a nós com um amor de comunhão, porém é necessário que nosso amor também progrida a este ponto. Este progresso no amor é bem explicitado na santa ceia, quando Jesus reunido com seus apóstolos disse: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai.” (Jo 15,15). O amor do servo (servil) é um amor menos elevado, alguém que ama, mas espera que este amor seja recompensado, além disso, procura fazer apenas a sua obrigação, como um servo em relação ao seu senhor. Já este amor que Jesus apresentou aos apóstolos, o amor de amigo (filial), é um amor superior ao amor servil, pois procura ir além da obrigação e busca estabelecer uma relação de intimidade, que é critério fundamental para a vivência da amizade. O amor esponsal é, neste sentido, superior aos outros dois, pois vai além do necessário e da intimidade, busca a união profunda com o amado, a exemplo do casal unido em matrimônio.
O amor esponsal, além de buscar a comunhão entre o amante e o amado, quer para o outro o que existe de melhor. Deus sabe bem o que é o melhor para o ser humano porque é seu Criador, e, portanto, sua vontade é o melhor para nós. São Paulo define bem qual é a vontade de Deus: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação.” (I Tess 4, 3a). É justamente isso que o amor de Deus pretende realizar com seu povo, a santificação do ser humano é a finalidade maior do seu amor, assim afirma São João Paulo II: “O amor de Cristo para com a Igreja tem essencialmente, como, finalidade, a sua santificação: ‘Cristo amou a Igreja e deu-se a Si mesmo… para a tornar santa’ (Ef 5, 25-26). (TdC 91). A santificação da Igreja é a finalidade do amor esponsal de Deus, exatamente por este motivo enviou sobre ela o seu Espírito Santo (cf. At 2, 1ss), pois é este mesmo Espírito que prepara a Igreja (esposa) para encontrar-se com Cristo (esposo).
São Paulo afirma que: “Este mistério é grande; eu digo isto com referência a Cristo e à Igreja” (Ef 5, 32), e São João Paulo II acrescenta: “(…) é necessário verificar que o autor da epístola escreve não só referindo-se ao grande mistério oculto em Deus, mas também, e acima de tudo, ao mistério que se torna realidade pelo fato de que Cristo – o qual com ato de amor redentor amou a Igreja e Se deu a si mesmo por ela – com o mesmo ato se uniu com a Igreja de modo esponsal, assim como se unem reciprocamente o marido e a mulher no matrimônio instituído pelo Criador.” (TdC 93). Este mistério só será plenamente revelado no céu, porém esta união com Deus por meio do amor esponsal já deve ser buscada neste mundo. Só assim estaremos preparados para esta união definitiva, pois é este amor que nos santifica.
O texto de São Paulo aos Efésios (5, 21ss) ocupa um papel central na Teologia do Corpo, justamente porque é o eixo que liga o amor humano ao Amor Divino. As analogias acerca do amor esponsal iluminam a relação de Deus com a humanidade e permite uma compreensão mais elevada, tanto em relação ao matrimônio quanto ao celibato, pois ambas as vocações formam a Igreja que caminha em direção a Cristo.
Por Valdo Júnior | Missão Maria de Nazaré
- #1 – Teologia do Corpo do Papa João Paulo II
- #2 – Em colóquio com Cristo sobre os fundamentos da família
- #3 – A redenção do corpo
- #4 – O Ser humano Integral
- #5 – O homem original: solidão, unidade e nudez
- #6 – A solidão original
- #7 – A unidade ou comunhão original
- #8 – A nudez original
- #9 – O significado esponsal do corpo
- #10 – A inocência original
- #11 – Conhecimento e procriação
- #12 – Cristo se refere ao coração humano
- #13 – À luz do sermão da montanha
- #14 – O significado da vergonha
- #15 – O homem da concupiscência
- #16 – Mandamento e Ethos
- #17 – O coração: acusado ou chamado
- #18 – O maniqueísmo
- #19 – Os ‘mestres da suspeita’
- #20 – Pureza como “Vida segundo o Espírito”
- #21 – Cristo se refere à Ressurreição
- #22 – A Realidade da Ressurreição
- #23 – A ressurreição e o significado esponsal do corpo
- #24 – Um novo Adão
- #25 – O Celibato para o Reino dos Céus
- #26 – Celibato e Matrimônio
- #27 – Dimensão da aliança e da graça no Matrimônio
- #28 – Analogia esponsal
- #29 – Mistério e Dom no amor esponsal