No Sermão da Montanha Jesus conduziu o ser humano a uma nova consciência de si, da sua relação de amor com Deus e com o próximo. Isso não significa que no Antigo Testamento a lei não estivesse acompanhada do amor, pelo contrário, o amor sempre esteve ali bem definido, como consta no livro do Deuteronômio: “Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças.” (Dt 6, 5). Porém, foi Jesus que conduziu a lei “a sua plenitude” (cf. Mt 5, 17), e isso por meio de um olhar para dentro, buscando assim trazer à tona o homem novo, livre de suas más inclinações, fruto do pecado original. Sobre isso São João Paulo II diz que: “No Sermão da montanha, Cristo não convida o homem a voltar ao estado da inocência original, porque a humanidade deixou-a irrevogavelmente atrás de si, mas chama-a a reencontrar as formas vivas do ‘homem novo’.” (TdC 49). E este ‘homem novo’ é chamado, portanto, amar com toda sua plenitude.
Jesus mesmo diz, que muito na antiga lei ainda não era pleno devido a dureza dos nossos corações (cf. Mt 19, 8). Foi Ele quem nos trouxe a revelação da vontade de Deus em sua totalidade. Mas como todos fomos marcados pelas consequências do pecado e ainda trazemos em nós este coração duro, é necessário, como diz o Papa, ‘reencontrar as formas vivas do homem novo’, e isso passa pela experiência da virtude da pureza. Virtude é um hábito bom, que se contrapõem aos vícios (hábitos maus), e assim torna-se o meio mais eficaz de ordenar para o bem todas as nossas ações. São João Paulo II faz uma profunda abordagem da virtude da pureza ao longo da Teologia do Corpo, mas principalmente neste segundo ciclo, no qual ele fala sobre o homem histórico e a redenção do corpo. Ele parte do mesmo trecho do Sermão da Montanha para iniciar esta abordagem: “A análise da pureza é complemento indispensável das palavras de Cristo no Sermão da Montanha (‘Aquele que olhar para uma mulher cobiçando-a desordenadamente já cometeu adultério em seu coração…)’.” (TdC 50).
O Papa aproveita várias de suas catequeses para aprofundar sobre o sentido da pureza e o como ela é fundamental para trazermos a realidade este ‘homem novo’, capaz de libertar-se, em Jesus, de toda concupiscência. Ele nos ensina que: “Em primeiro lugar, a pureza é uma ‘habilidade’, ou, na linguagem tradicional da antropologia e da ética, é uma atitude. E nesse sentido é uma virtude. O que temos aqui é uma habilidade prática que permite ao homem agir de um modo definido, e ao mesmo tempo a não agir de modo contrário. A pureza obviamente deve ter suas raízes na vontade, nos próprios fundamentos do agir consciente do homem.” (TdC 54). É aqui, então, que o Papa define o que ele compreende ser a pureza e a sua importância. Lança sobre o homem também a responsabilidade de buscar e a praticá-la em todas as suas atitudes.
Porém se compreendermos a pureza apenas como algo a ser praticada pelo homem e pela mulher em suas atitudes ordinárias, de modo que isso possa ser suficiente para sua purificação, poderíamos cair aqui em um certo ‘pelagianismo’, que é aquela heresia que considera o homem capaz de sua própria santificação. São João Paulo II não reduz a virtude da pureza apenas ao esforço humano, mas afirma que também pela graça dos dons Espírito Santo podemos alcançá-la: “Entre estes dons, conhecidos na história da espiritualidade como os sete dons do Espírito Santo, o mais congenital à virtude da pureza parece ser o dom da ‘piedade’.” (TdC 57). Deste modo, o Papa apresenta tanto a via natural quanto a via sobrenatural do acesso a pureza, que não é apenas uma virtude, portanto, mas também um dom de Deus.
Embora o tema da pureza seja tratado ao longo de toda a Teologia do Corpo, São João Paulo II aqui conclui esta reflexão dizendo que: “A pureza, como virtude, ou seja capacidade de ‘manter o próprio corpo com santidade e respeito’, aliada com o dom da piedade, como fruto da permanência do Espírito Santo no ‘templo’ do corpo, realiza nele tal plenitude e dignidade nas relações interpessoais, que Deus mesmo é nisso glorificado. A pureza é glória do corpo humano diante de Deus. É a glória de Deus no corpo humano.” (TdC 57). Assim, o Papa conclui também este segundo ciclo das catequeses sobre o homem histórico, afirmando que a redenção do corpo, tão necessária a humanidade decaída, passa pela pureza que é obra do homem pelo seu esforço, mas também obra de Deus pela sua graça. Deste modo purificados, a humanidade poderá caminhar rumo a sua glorificação.