Na noite passada eu deitei cedo na cama. Assim que as crianças dormiram apaguei todas as luzes da casa e a passos quase inexistentes de tão sutis e dramaticamente silenciosos entrei para o meu quarto, encostei levemente a porta e me deparei com o desejo sedento de me deitar do jeito que estava, ainda sem banho, na cama e, fingindo que tudo estava em perfeita ordem do lado de fora do quarto (e comigo mesma), dormir como um bebê.
Fechei os olhos e contrariando minha vontade de encerrar logo o dia, entrei para debaixo do chuveiro e ao ligar o registro percebi que fiz realmente bem em escolher tomar banho, porque ao passo que a água lavava meu corpo suado e cansado, as lágrimas que brotaram em meus olhos, imediatamente, lavavam minha alma angustiada – eu arfava em meio a tanta água repetindo para mim mesma “perdi, hoje eu perdi.”.
Ao me esconder debaixo das cobertas suspirei pesada e longamente e repeti mais uma vez “perdi, hoje eu perdi”. O sentimento de derrota que tomava meu coração nasceu de todas as falhas que cometi durante aquele dia desde o amanhecer. E, ali deitada, praticamente sem forças para lutar contra o cansaço físico me vi sem sono e por isso dei brecha aos meus vagos e distorcidos pensamentos e lembranças desse dia tão normal, mas tão cansativo como forma de afirmar e reafirmar inúmeras vezes que não sou uma boa mãe, uma boa esposa, uma boa dona de casa, beirando a certeza de que não sou nem boa pessoa – o júri da minha mente já estava todo montado de tal modo que eu mesma assumi praticamente todos os papéis da corte: réu, juíza, advogada, promotora, júri e às vezes até mesmo vítima.
Uma cabeça desordenada e cansada não é solo fértil para uma noite de sono boa, mas sim para atormentar ainda mais aquela já que é considerada a louca da casa: a imaginação. Mas nem mesmo de posse dessa informação me detive na construção de mais um capítulo dessa série chamada “fracasso materno”, então fui revivendo os momentos do dia e constatando meus erros nas situações que mais deviam ter favorecido, na verdade, o aprendizado, a harmonia e o amor entre mim e minha família, mas que foi permeado de impaciência, desorganização, estresse, insensibilidade e murmuração.
Cada lembrança me envergonhava, a lista de culpas subia, a pena que eu mesma ia calculando saltava ao largo na minha imaginação nada misericordiosa. Porém no meio desse devaneio todo me veio uma pergunta do fundo da mente: se há como aprender a ser um bom profissional em qualquer categoria, também há como aprender a ser uma boa mãe? E daí em diante o episódio do meu julgamento mental encerrou-se e meu pensamento se voltou totalmente a essa pergunta, pois realmente eu nunca havia parado para refletir sobre isso: fui ensinada nas melhores escolas e faculdades da minha cidade a como ser uma profissional qualificada, tendo ao fim de uma longa jornada de estudos recebido com mérito meus diplomas para encher a parede de belas molduras, mas onde ou com quem vou aprender a ser uma boa mãe, uma boa esposa e a dona de casa razoável que tanto almejo?
Limpei as marcas salobras das lágrimas que já impregnavam meu rosto, me sentei na cama e pus-me a tentar responder: onde ou quem vai me ensinar a ser boa naquilo que abracei como missão, vocação, ofício diário? Não tem escola, professor, curso, apostilas e nem esquemas didáticos para me formar em boa mãe, esposa e dona de casa… Fato. Sei que posso até utilizar de alguns exemplos familiares próximos para copiar (ou não) em situações semelhantes, mas que não passam disso: exemplos de outras pessoas errantes como eu; não tem base teórica, não tem modelo científico para aplicar, ou seja, o que tenho em mãos não me ensina verdadeiramente, não me forma, não me “profissionaliza”. Têm milhares de livros que falam de tudo um pouco, mas por onde começar?
Todo o drama foi deixado de lado quando nasceu em mim esse ímpeto de entender aonde ou com quem eu poderia aprender a ser melhor, porque não é possível que não haja jeito de ser melhor por meio de estudos, leitura, conselhos… qualquer coisa de valor. Mas assim perdida nos meus pensamentos fui tomada de grande ansiedade por não achar resposta alguma que desse fim aos questionamentos e solucionasse tal situação.
E agora?
Fechei os olhos, cheios d’água, a esperança titubeando entre findar-se ou permanecer. O sono já pesando sobre mim só me permitiu encerrar todo esse questionamento com uma breve oração “Senhor, eu não sou digna de que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e serei salva” …
E Ele disse: “Maria” ao meu coração e assim e eu dormi.
Se você leu esse texto até aqui é bem provável que já tenha passado por um contexto semelhante ao narrado ou até esteja passando por esse momento turbulento agora, ás vezes esteja até um pouco frustrada por não ter encontrado nenhuma resposta concreta que talvez te ajudasse também com a sua maternidade, pode até ser que você já tenha feito algum curso ou lido algum livro e pensou que o acharia por aqui sendo citado de forma se sentisse segura em ter feito “a coisa certa”, mas não querendo te desanimar, pelo menos não propositalmente, eu te falo de coração, que não tem receita de bolo para ser mãe, esposa e dona de casa. A única certeza que existe para quem escolhe a vocação matrimonial abraçando toda a sua grandeza (“na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza”) e os desafios inerentes é a graça de estado concedida por Deus que nos retifica, fortalecesse e nos dá sabedoria e autoridade sobre nossos filhos, esposo e sobre a nossa casa e sua lida.
O que tem adicional a essa graça especial e daí já são sugestões de quem vos escreve são os exemplos daqueles que já alcançaram o Céu, a começar pela Sagrada Família de Nazaré. Deles não podemos de forma errônea pensar “são santos e perfeitos, mas minha família e eu não somos, então não servem de exemplo”, porque a perfeição da família de Jesus não é mérito deles, e sim de Deus, a graça de estado que todo casal de esposos unidos pelo sacramento do Matrimônio possui, Maria e José também possuíram, então são sim fonte de inspiração para nós, e em falando de maternidade, Maria é o exemplo mais completo que temos para nos espelhar. Ademais existem outras santas mães: Santa Zélia, Santa Gianna, Santa Mônica, Santa Rita de Cássia, Santa Ana, Santa Isabel… que também podem ser para nós exemplos em virtudes e formas de vencer os desafios familiares dos quais podemos buscar em justa medida copiar e aplicar em nossas casas.
De fato, existem cursos e livros que também podem ser fonte de conhecimento para uma mãe ávida por ofertar o melhor aos seus, mas é muito importante ter cautela e discernimento sobre esse universo ilimitado de possibilidades que podem mais atrapalhar do que ajudar na lida com a sua família. Logo, o que tenho para mim, hoje, como o melhor lugar para aprender a como ser quem eu devo ser para os meus está na oração, na escuta de Deus, no dizer “Senhor, preciso de ajuda, não sei o que fazer”, em ler a Palavra, em partilhar com meu esposo, em meditar um pouco mais antes decidir e em buscar nos exemplos das santas mulheres da Igreja Católica algo que me ajude também, principalmente Nossa Senhora – sem obviamente excluir as pesquisas e as leituras de bons livros para obter o aprendizado do “conhecimento comum” que só vem depois que se vira mãe.
Enfim, “descobrir” tudo isso me fez respirar aliviada e saber que é possível ser uma mãe melhor para as minhas filhas, bem como uma esposa melhor para o meu esposo e uma dona de casa razoável e que é por meio das orações, das louças e dos abraços inesperados que posso aprender diariamente um pouquinho mais sobre como ser o coração da minha casa e louvado seja Deus por isso, pois sua Misericórdia assim encerrou de vez com a minha (in)justiça que tanto perturbou minha vida e vocação afastando-me da Verdade e confundindo-me com as minhas próprias mentiras sobre quem eu sou.