O sermão da montanha é apresentado nas Sagradas Escrituras pelo Evangelho de Mateus e de Lucas. Trata-se aqui do primeiro discurso público de Jesus e da apresentação de princípios fundamentais de seus ensinamentos. No Evangelho de Mateus ocupa 3 capítulos (5, 6 e 7), no qual Jesus inicia com a apresentação das bem-aventuranças. Podemos dizer, que o propósito de Nosso Senhor com este sermão é fazer uma espécie de transição do pensamento na antiga aliança com a “Boa Nova” de seu Evangelho, como está dito por Ele mesmo: “Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas, não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição” (Mt 5, 17). Deste modo, Cristo pretende conduzir à plenitude a vida do povo eleito.
No segundo ciclo das catequeses sobre a Teologia do Corpo, São João Paulo II utiliza como ponto de partida o sermão da montanha, com o mesmo propósito de Nosso Senhor, porém de modo mais específico à nossa sexualidade: “Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. Ora, eu porém vos digo: todo aquele que olhar para uma mulher com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mt 5, 27-28). Esta é a passagem que norteia todo este segundo ciclo, no qual o Papa fala sobre o “homem histórico”: “O homem, a quem Jesus se refere aqui, é precisamente o homem ‘histórico’, aquele cujo ‘princípio’ e ‘pré-história teológica’ traçamos na precedente série de análises (…). Este homem é, em certo sentido, ‘cada’ homem, ‘cada um’ de nós” (TdC 25).
O objetivo do Papa é conduzir-nos a compreensão de que o nosso corpo, embora foi criado no plano original de Deus para a plenitude, decaiu com o pecado, e por isso carrega em si o peso da inclinação à desordem. Sobre esta palavra de Jesus ele diz: “Jesus Cristo faz uma revisão fundamental do modo de compreender e cumprir a lei moral da Antiga Aliança. Assim, portanto, Cristo apela para o homem interior, e o faz mais de uma vez em diversas circunstâncias” (TdC 24). O movimento que Jesus nos chama neste discurso não é de exteriorização, ou seja, de uma atenção focada somente nos atos e na conduta humana, mas um movimento de olhar para dentro de si, para o coração, e perceber em nós a necessidade de purificação.
São João Paulo II vem nos explicar aqui o que Jesus diz em um outro momento: “Ao contrário, aquilo que sai da boca provém do coração, e é isso que mancha o homem” (Mt 15, 18). Por isso é tão importante esta análise do “homem interior”, pois é daí que surgem todas as nossas desordens. Nos versículos seguintes Jesus continua: “Porque é do coração que provêm os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as impurezas, os furtos, os falsos testemunhos, as calúnias. Eis o que mancha o homem.”
Sobre isso, o Papa acrescenta: “O ‘coração’ é esta dimensão da humanidade, com que está ligado diretamente o sentido do significado do corpo humano, e a ordem deste sentido” (TdC 24). Portanto, para reordenarmos o nosso corpo ao seu significado original e conduzi-lo à plenitude, e necessário olharmos para o nosso coração. As pessoas julgam nossas ações, mas Deus olha o nosso coração e as nossas intenções. Mas não é apenas Deus que é capaz de fazer isso, nós também somos capazes de olhar para dentro de nós. É preciso sobretudo humildade para reconhecer nossas impurezas e buscarmos, com a graça de Deus, a redenção do nosso corpo.