A Igreja nos propõe, uma vez mais, o retiro espiritual de quarenta dias em que buscamos iluminar os recônditos mais obscuros de nossos corações para que sejamos libertos de todo mal. Eis o tempo favorável para atacar a origem e não somente os sintomas de uma doença muito mais profunda que outra qualquer.
Nossa primeira casa somos nós próprios e é preciso cuidar muito bem dela. De nada adianta zelar pelo entorno se não zelamos do ser humano todo, integral e, sobretudo, do ser humano enquanto ser dotado de espírito e não meramente animal, dotado de corpo. É no espírito que o pecado se origina, é na alma que precisamos iniciar a reforma quaresmal. Muitas vezes temos verdadeiros esgotos em nós, cloacas de podridão em nossas almas. É tempo de sanearmos a nós mesmos!
Nosso Senhor no Evangelho nos adverte: “Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca, isto sim o torna impuro (…). Com efeito, é do coração que procedem más intenções, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações” (cf. Mt 15, 11-19) O mal é gestado em nós. Se não se combate esse mal, vã é a tentativa de consertar o que está errado no mundo. Não se pode debelar verdadeiramente uma grave infecção com o uso de analgésicos e antitérmicos, é mister aplicar antibióticos no enfermo.
Afinal, qual a causa da destruição da natureza, da nossa casa comum? Qual a causa da falta de cuidado para com o nosso meio-ambiente, com o mundo que o Criador nos deu para governar? A falta de zelo e cuidado com o mundo é reflexo da falta de cuidado, zelo e amor que temos conosco mesmos e com as pessoas. Se não temos infraestrutura, saúde, educação e outras necessidades básicas de qualidade, é porque recursos que deveriam ser aplicados nessas e em outras importantes áreas descem pelo ralo da corrupção. E de onde são os que abrem o ralo? São marcianos? Certamente, não! São pessoas que só pensam no bem de si próprios e esquecem-se do bem-comum, que em seus corações gestam a falta de amor com o próximo, reflexo, frequentemente, da ausência de Deus em suas próprias vidas. E quem as elege? Cada qual responda para si.
O Papa Francisco em sua Carta Encíclica Laudato Sí citando seu ilustre Predecessor nos ensina que “a criação resulta comprometida onde nós mesmos somos a última instância, onde o conjunto é simplesmente nossa propriedade e onde o consumimos somente para nós mesmos. E o desperdício da criação começa onde já não reconhecemos qualquer instância acima de nós, mas vemo-nos unicamente a nós mesmos” (n. 6). Deste modo, não podemos viver bem neste mundo se não reconhecemos Quem nos transcende, a instância que nos ultrapassa e é, portanto, infinitamente superior a nós! Só um retorno a uma instância superior é capaz de fazer que vivamos em uma verdadeira casa comum, um lar fraterno e não apenas como moradores de um mesmo edifício, como se fôssemos desconhecidos que são aleatoriamente colocados em um único lugar para ali viverem cada um por si, em casulos, e sim como irmãos que se reconhecem como tais a partir de uma Paternidade comum.
Nesta Quaresma, voltemo-nos para Deus, a Instância acima de nós, e reconheçamos que precisamos de reforma interior e, com a casa-homem reformada começamos a reforma da casa-criação, que na Eternidade estará plenamente reformada e recapitulada n’Ele, nosso Salvador e Redentor, Jesus Cristo. A Casa comum do Céu para onde estamos a caminhar como diz o Papa Francisco na Laudato Sí (n.243) nos aguarda. Caminhemos, pressurosos, renovando nossos corações em Deus!