O segundo ciclo das catequeses sobre a Teologia do Corpo tem como fundamento as palavras de Jesus no sermão da montanha, no qual o Senhor nos remete ao coração (cf. Mt 5, 27), ou seja, a intimidade de nossos desejos e intenções. Este processo de interiorização nos leva a refletir o processo de redenção que Jesus operou no coração do homem a partir de seu sacrifício salvífico. Seu coração na cruz foi aberto por uma lança, e testemunha São João, que do seu peito jorrou água e sangue, sinais de sua purificação e cura. Aconteceu, então, no calvário o cumprimento da profecia: “Eu vos darei um coração novo e porei em vós um espírito novo. Tirarei de vosso peito um coração de pedra e vos darei um coração de carne.” (Ez 36, 26).
Seguindo este raciocínio é possível compreender como a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo na cruz dividiu a história do homem e, portanto, constitui o seu ápice. Porém, mesmo que o ‘homem histórico’ tenha sido redimido de sua culpa original, a concupiscência não foi apagada por completo. Jesus na cruz de fato nos libertou, como atesta São Paulo: “É para que sejamos homens livres que Cristo nos libertou, não vos submetais novamente ao jugo da escravidão” (Gl 5, 1). Esta escravidão do qual nos fala o apóstolo é o pecado que rouba do homem a liberdade que Cristo nos deu. Portanto, a concupiscência não perdeu totalmente sua força, ela ainda inclina o ser humano ao mal.
Neste sentido, esta ‘força’ tem sua ação por meio de três realidades, chamadas de ‘tríplice concupiscência’, definida por São João em sua primeira carta: “Por que tudo que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do pai mas do mundo.” (1 Jo 2, 16). São João Paulo II de forma brilhante associa esta ‘tríplice concupiscência’ aos três pensadores modernos Friedrich Nietzsche, Karl Marx e Sigmund Freud, da seguinte forma: “Na hermenêutica de Nietzsche, o juízo e a acusação do coração humano correspondem, em certo modo, ao que, na linguagem bíblica é chamado ‘soberba da vida’; na hermenêutica de Marx, ao que foi chamado ‘concupiscência dos olhos’; e na hermenêutica de Freud, polo contrário, ao que é chamado ‘concupiscência da carne’”. (TdC 46).
A denominação ‘mestres da suspeita’ foi feita em primeiro lugar pelo filósofo francês Paul Ricoeur (1977), devido aos questionamentos apontados por estes pensadores acerca do desejo humano. O Papa os associa a estas três inclinações do coração do homem que seduzidos pelo Prazer (concupiscência da carne), pelo Possuir (concupiscência dos olhos) e o Poder (soberba da vida) conduz o homem ao pecado e, portanto, ao ‘jugo da escravidão’ do qual nos adverte São Paulo em sua carta aos Gálatas. Estas três realidades (prazer, possuir e poder), são apontadas por muitos santos como as três tentações de Cristo no deserto.
Sobre esta ‘suspeita’ do qual estes pensadores sustentam suas doutrinas, São João Paulo II nos apresenta uma proposta melhor: “As palavras de Cristo segundo Mateus 5, 27-28 não nos permitem parar na acusação contra o coração humano e colocá-lo em estado de suspeita contínua, mas devem ser entendidas e interpretadas sobretudo como um apelo dirigido ao coração. Isso deriva da própria natureza do ethos da redenção. A redenção é uma verdade, uma realidade, em cujo nome o homem deve sentir-se chamado e ‘chamado com eficácia’.” (TdC 46). Deste modo, aos que creem na redenção operada por Cristo na cruz, não deve haver medo desta ‘força’ que quer nos conduzir ao mal, pois o amor venceu o pecado e a morte, como nos diz São Pedro: “O amor cobre uma multidão de pecados” (1 Pe 4, 8b)
Esta visão otimista da vida apresentada por São João Paulo II se contrapõe a visão pessimista dos ‘mestres da suspeita’, que enxergam a humanidade com escrava de seus instintos e desejos e, portanto, tendo como única saída não se reprimir liberando suas pulsões. Sobre esta perspectiva freudiana o Papa vai dizer que: “O significado do corpo é, em certo sentido, a antítese da libido freudiana.” (TdC 46). Deste modo, podemos dizer que se estes pensadores fundaram, de certo modo, as raízes do que hoje conhecemos como ‘Revolução Sexual’, São João Paulo II com sua Teologia do Corpo atua como uma ‘Contra Revolução”, que pretende libertar o coração humano através da revelação do verdadeiro significado do corpo.
Por fim, é preciso reconhecer que existe uma força que atua em nós, contra nossa realização e santificação (a concupiscência), mas de modo oposto, temos também a força da graça redentora de Cristo, que nos quer conduzir para o céu: “As palavras de Cristo testemunham que a força original (portanto, também a graça) do mistério da criação se torna para cada um deles força (isto é, graça) do mistério da redenção. Isso concerne a própria ‘natureza’, o próprio substrato da humanidade da pessoa, os mais profundos impulsos do ‘coração’.” (TdC 46)