Sofremos com o mal, uma realidade que a todos toca. Cedo ou tarde, o sofrimento nos chega. Pode ser um pequeno mal, como uma leve dor de cabeça, até gravíssimos males da alma, como uma depressão profunda; ninguém escapa incólume das realidades que trazem sofrimentos físicos, morais e espirituais. E por que é assim? Por que sofremos? De onde vem o mal?
O mistério do mal, também chamado Mistério da iniquidade, já foi tratado, por muitos estudiosos, de teólogos a psicólogos passando por filósofos e cientistas, e parece não haver uma resposta única e cabal para encerrar a questão. Santo Agostinho, batizado por Santo Ambrósio depois de algumas décadas de vida entregue aos deleites mundanos e às metafísicas cogitações, falou sobre o mal como falta de bem, como ausência de perfeição. Seria o mal a falta de algo que em condições ideais existiria e que, por alguma razão, em dada circunstância está ausente. Um singelo exemplo: um bom olho é um olho que vê, que enxerga. O olho cego tem em si um mal, uma privação de bem. A bondade plena para o olho é enxergar! Grosso modo é isto! Não há como expor com profundidade uma doutrina como a do mal em Santo Agostinho em breves linhas, mesmo porque este não é o objetivo deste artigo.
Assim, parando mesmo em Santo Agostinho e deixando de lado todas as outras explicações filosóficas, científicas e até mesmo teológicas ao longo da História apresentadas para o mal, podemos apresentar um fato que, se não o explica exaustivamente, joga sobre ele uma intensíssima luz. Na plenitude dos tempos, usando a expressão bíblica, Deus se torna um de nós; Aquele que habita em luz inacessível, encarna-se no ventre de uma mulher e nasce como homem, assumindo toda a realidade humana vivendo e sofrendo em si mesmo a realidade do mal, do sofrimento.
Cristo lança luz sobre o mal e nos mostra que Deus não é indiferente ao sofrimento humano, ao contrário, sofre conosco. Cristo, Ele mesmo a Luz, lança-Se sobre o mal. Cristo tem uma vida de intensos sofrimentos coroados no opróbrio da Cruz; n’Ela o nosso sofrimento é assumido por Deus e já não podemos nos crer criaturas abandonadas à própria sorte. O mal, que segundo a Igreja ensina e nós cremos, entrou no mundo por nossa culpa em razão do uso incorreto de nossa liberdade, é assumido e aniquilado por Deus.
O mistério do Amor de Deus por suas criaturas permanece, pois maior e supera o mistério da iniquidade, supera o próprio pecado. São Paulo nos diz: “Onde abundou o pecado, superabundou a Graça” A Graça nos salva e nos liberta e, mesmo carregando as nossas cruzes de discípulos do Crucificado, não nos assiste o direito ao desespero diante das tribulações terríveis que se apresentam em nossas vidas, muitas delas causadas, infelizmente, por nós mesmos, por equivocadas escolhas. O Crucificado é o mesmíssimo Ressuscitado que no Mistério Pascal nos dá a esperança viva de com Ele também ressuscitar e cantar a vitória de Deus, a presença total do Bem, sem nenhuma privação de Bondade, a plena e definitiva presença de Deus em nós, ainda que seja somente na Vida Eterna. E a Vida Eterna, demora a acontecer? Creio que não, esperemos confiantes em Deus, a Vida Verdadeira que nos aguarda e, que muitas vezes, é nos dada já aqui a alegria de antegozá-la! Esta vida de agora é só o intervalo, o entreato de uma belíssima peça cujo primeiro ato aconteceu no Céu, junto de Deus, quando éramos projeto na mente de Deus, e o ato final, sem fim e alegre, será encenado no palco celestial. Vivamos o entreato com Cristo e teremos a firme esperança de chegar, pelos méritos d’Ele, à Glória da ribalta Eterna!
Artigo do Padre João Dias Rezende Filho, sacerdote falecido da Arquidiocese de São Luís, que foi também terceiro elo da Comunidade Católica Missão Maria de Nazaré.
Publicado originalmente no Jornal do Maranhão (mensário da Arquidiocese de São Luís do Maranhão) de setembro de 2014 e republicado em O Estado do Maranhão de 14 de setembro de 2014.