Uma das marcas mais significativas do ‘homem histórico’ é a concupiscência. Esta realidade é fruto do pecado original, que retirou do ser humano aquela condição de inocência e hoje conduz seu coração ao mal, como nos diz São Paulo: “deixo de fazer o bem que quero para fazer o mal que eu não quero.” (Rm 7, 21). Para ilustrar o que representa a concupiscência poderíamos usar a seguinte analogia: a gravidade é, no mundo natural, uma força capaz de atrair a matéria para o chão; de certo modo, a concupiscência age da mesma forma com a alma, ou seja, é uma espécie de força que inclina o homem ao ‘chão’, ao pecado.
Uma das melhores explicações desta realidade foi dada pelo próprio São João Paulo II em sua Teologia do Corpo: “O homem da concupiscência não domina o próprio corpo do mesmo modo, com igual simplicidade e ‘naturalidade’ como o fazia o homem da inocência original.” (TdC 28). A ausência deste autodomínio se dá justamente pela necessidade de que o homem de hoje, diferente do modo como foi sonhado por Deus, precisa se esforçar para permanecer de pé. É como nadar contra a correnteza, se não nos esforçarmos para fazer o que certo seremos levados ao erro.
O Papa afirma que “Quanto mais a concupiscência domina o coração, tanto menos este experimenta o significado esponsal do corpo, e tanto menos se torna sensível ao dom da pessoa.” (TdC 32). A concupiscência deixa o olhar turvo, ao ponto de não enxergarmos o outro com nitidez, a relação assim se torna vazia e superficial. Quando perdemos a sensibilidade de ver no outro um dom, um presente, tendemos a uma visão de interesse, nas palavras de São João Paulo II: utilitarista. Após o pecado original, o Papa diz que o coração humano, se tornou um lugar de conflito: “O ‘coração’ tornou-se um campo de batalha entre o amor e a concupiscência.” (TdC 32). Porém, o significado esponsal do corpo, ou seja, o sentido e o chamado ao amor verdadeiro em nós, embora ameaçado, não ficou totalmente sufocado ou aprisionado. Ainda somos capazes de amar.
Uma outra reflexão que São João Paulo II propõe acerca do homem da concupiscência é a relação das palavras de Jesus no Evangelho de Mateus (Mt 5, 27-28), com as palavras de São João em sua primeira carta: “Porque tudo o que há no mundo – a concupiscência humana, a cobiça dos olhos e a ostentação da riqueza – não vem do Pai, mas do mundo.” (1 Jo, 2, 16-17). O Papa diz estar expresso aí a tríplice concupiscência, no qual também podemos comparar àquelas três tentações de Jesus no deserto, definidas pelos santos padres como: o prazer, o possuir e o poder.
Sobre esta comparação, diz na Teologia do Corpo que: “A tríplice concupiscência, incluída a do corpo, traz consigo uma limitação do próprio significado esponsal do corpo, de que o homem e a mulher eram participantes do estado da inocência original.” (TdC 31). Mas não devemos desanimar diante desta realidade da concupiscência, pois àquele que se abre à graça de Deus é revestido da força do alto (cf. Lc 24, 49), e esta força supera qualquer inclinação que o pecado possa causar em nós, pois “onde abundou o pecado, superabundou a graça de Deus” (Rm 5, 20). Sobre isso, São João Paulo II nos diz: “O desejo (luxurioso) de que Cristo fala em Mateus 5, 27-28 aparece no coração humano de muitas formas: nem sempre é evidente e manifesto, às vezes é obscuro, de maneira que se passa como ‘amor’, embora mude o seu autêntico aspecto e obscureça a limpidez do dom. Isto quer dizer que devemos desconfiar do coração humano? Não! Quer somente dizer que devemos permanecer no controle dele”. (TdC 32).