O segundo ciclo das catequeses sobre a Teologia do Corpo é marcado pela redenção do ser humano. Embora inicie com a queda, no qual nossos primeiros pais pecaram contra a obediência a Deus, a centralidade do “homem histórico” está em Jesus Cristo, novo Adão (cf. Rm 5, 12-20). Jesus redimiu a humanidade inteira com seu sacrifício na Cruz, ao assumir um corpo humano Ele nos liberta das amarras do pecado, como diz São Paulo: “É para que sejamos homens livres que Cristo nos libertou. Ficai, portanto, firmes e não vos submetais outra vez ao jugo da escravidão.” (Gl 5, 1). Embora a salvação em Jesus seja algo certo e universal, devemos permanecer firmes, como diz o Apóstolo Paulo, pois podemos, por nossa livre vontade, nos submetermos novamente a condição de escravos do pecado.
É justamente neste sentido que o Papa São João Paulo II vem refletir ao longo de algumas catequeses sobre a Ética cristã, ou melhor, sobre o “ethos do Evangelho” apresentado no sermão da montanha: “A sucessiva etapa de nossa análise deverá ser de caráter ético. O Sermão da Montanha, é em particular a passagem que escolhemos como centro das nossas análises (Mt 5, 26-27), faz parte da proclamação do novo ethos do Evangelho.” (TdC 34). Essa proposta não apaga a lei de Moisés ou o ensinamento dos profetas, pois Jesus diz no mesmo sermão: “Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los a perfeição.” (Mt 5, 17). Portanto, esta perfeição não é uma substituição da lei, mas uma elevação ao pleno cumprimento.
A lei é um direcionamento importante para que haja ordem e obediência. O próprio Deus deu uma lei ao seu povo por meio dos mandamentos. A “lei de Moisés” na verdade é a lei do próprio Deus que nos ensina a viver de modo a caminharmos para a felicidade, pois só Aquele mesmo que nos criou sabe como devemos viver para nos realizarmos. Porém, em Jesus Cristo o cumprimento dos mandamentos assumiu um sentido mais completo: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele.” (Jo 14, 21). O amor aqui é tratado como a expressão máxima do cumprimento do mandamento, que em Cristo se resumiu em amar a Deus e ao próximo como a nós mesmos.
São João Paulo II explica que Jesus conduz a lei, que era tratada pela exterioridade, ou seja, pelo o que se faz, para a interioridade. Neste caso, o que importa é a intenção e o desejo do coração e não apenas o ato em si. Jesus aprofunda, no sermão da montanha, o conceito de moralidade, que antes se baseava em preceitos e práticas, para nos levar ao olhar interior: “O olhar exprime o que está no coração. O olhar exprime, diria eu, o homem completo. Em certo sentido, o homem através do olhar revela-se exteriormente e aos outros; sobretudo revela o que percebe no interior.” (TdC 38). O ethos do Evangelho está voltado ao que está em nosso coração e transborda em nossas ações, não o contrário.
Sobre as palavras de Jesus sobre o adultério em Mateus capítulo 5, São João Paulo II explica que: “Como acontece muitas vezes no Evangelho, também aqui encontramos certo paradoxo. Como, de fato, pode haver ‘adultério’ sem se ‘cometer adultério’, isto é, sem o ato exterior, que permite reconhecer o ato proibido pela Lei? (…) Ao entender o ‘adultério no coração’, Cristo considera não apenas o real estado jurídico do homem e da mulher em questão. Cristo faz com que a avaliação moral do ‘desejo’ dependa acima de tudo da dignidade pessoal do homem e da mulher; isso é importante seja quando se trata de pessoas não casadas, seja – e talvez mais ainda – quando são cônjuges, mulher e marido.” (TdC 42). Este paradoxo apresentado por Jesus é justamente a interiorização do sentido da lei, que outrora era medida somente pelas ações e agora se ocupa da intenção do coração.
O Papa inclusive vai além, nesta reflexão, pois além de dizer que Cristo trata o adultério como algo interior e não meramente exterior, diz que este adultério pode ocorrer no olhar para com o próprio cônjuge: “É significativo que Cristo, quando fala do objeto de tal ato (de olhar com concupiscência), não sublinha que seria no caso ‘a mulher do próximo’, ou a mulher que não é a própria esposa, mas diz genericamente a própria mulher. (…) O adultério ‘no coração’ não é cometido só porque o homem ‘olha’ deste modo (luxurioso) para a mulher que não é sua esposa, mas precisamente porque olha desse modo para uma mulher. Também se olhasse deste modo para a mulher que é a sua esposa cometeria o mesmo adultério ‘no coração’.” (TdC 43). São João Paulo II nos ensina em seu livro Amor e Responsabilidade que o contrário do amor é o utilitarismo, ou seja, usar o outro para nossa próxima satisfação. Portanto, devemos nos doar, pois este é o sentido verdadeiro do amor, vencermos o egoísmo e sermos generoso em nossa entrega a Deus e ao próximo. Assim estaremos vivendo de forma plena os mandamentos que Ele nos deixou.