Quando contemplamos o Evangelho, somos tomados por uma admiração e ternura imensas quando lemos as diversas passagens em que Jesus, tendo passado na vida de diversas pessoas, sempre deixa um sinal que seja de Sua Presença salvífica naquela história. Simão Pedro que, de pescador, torna-se pregador do Evangelho e chefe da Igreja; Paulo, de perseguidor e assassino de cristãos, torna-se missionário e, mais tarde, mártir da religião que, outrora, odiava e perseguia.
E há também aqueles em cujas vidas Jesus Cristo passou e apenas a Sua Presença foi bastante para operar não somente um milagre, mas um completo reordenamento interior. Zaqueu, o cobrador de impostos corrupto; a mulher adúltera, salva do apedrejamento previsto pela lei judaica; a hemorroíssa, que, no meio da multidão, se aproxima do Senhor e o toca, e isto basta que fique curada… Enfim, não faltam exemplos de gente que, tendo sido visitada por Deus, passa a desenhar uma nova história de vida. Além de tudo isso, é importante notar que a benção que o Senhor lhes concede não as exime da responsabilidade diária de manterem a posse desta benção.
Como católicos, cremos que Jesus é o mesmo ontem, hoje e sempre, e podemos testemunhar também que, ao longo do nosso caminho, tivemos, sim, diversos momentos fortes com Deus. Retiros, encontros, rebanhões… Quantos momentos de profunda intimidade com o Senhor já tivemos, não é? E após termos experimentado tudo isso, devemos nos questionar se já assumimos a responsabilidade que nos cabe para que os mesmos milagres que aconteceram outrora aconteçam também no hoje de nossa história.
Questiono-me quanto ao que Jesus me diria, pessoalmente, se tivesse a oportunidade de vê-lo em minha frente e conversar de forma sincera com Ele. Como seria, por exemplo, reencontrá-lo tanto tempo depois daquele grande encontro pessoal com Ele, do qual eu afirmo que Ele tinha mudado a minha vida, e me tomado inteiramente para Si. Que palavras Ele me diria no hoje de minha história?
Se ainda não nos permitimos transformar inteiramente, mesmo tendo vivido tantos encontros pessoais com o Senhor, é possível que estejamos desperdiçando um tempo precioso de nossa vida.. O próprio Evangelho nos traz o exemplo do jovem rico (Mt 19, 16-22) que, tendo-se encontrado com o Senhor e tendo recebido Dele mesmo um chamado a ser um dos seus apóstolos, foi incapaz de dar a Deus a primazia de sua vida e – nos diz o Evangelho – retirou-se triste da presença do Senhor.
Não será, talvez, que a razão de nossas inconstâncias e repetidas quedas nos mesmos pecados de sempre seja uma resposta que fica a medir e comparar aquilo que “podemos” entregar de nossa história pessoal ao Senhor? Tal atitude não é outra coisa senão uma “rebeldia mascarada”, pois se é o próprio amor do Senhor que nos capacita a uma resposta generosa, não temos motivos para não buscar dar essa resposta em nosso dia a dia.
Há um episódio muito bonito e conhecido na vida de Santa Teresinha que pode nos orientar quanto à resposta a essa situação. Enquanto brincava com Celina, Leônia, irmã mais velha de Teresinha, julgando-se muito crescida para brincar com bonecas, veio procurá-las com uma cesta cheia de vestidos e lindos retalhos para fazer outros. Leônia ofereceu-lhes o que trazia e disse-lhes: “Escolhei, dou-vos tudo isto”. Celina estendeu a mão e tomou apenas um pacotinho do qual gostara mais. Após um instante de reflexão, Teresinha estendeu a mão e declarou: ‘Escolho tudo’, e apoderou-se da cesta sem qualquer formalidade. E é Santa Teresinha mesmo que nos conta: “Mais tarde, quando se me tornou evidente o que era perfeição, compreendi que para se tornar santa era preciso sofrer muito, ir sempre atrás do mais perfeito e esquecer-se a si mesmo. Compreendi que na perfeição havia muitos graus e que cada alma era livre no responder às solicitações do Senhor, no fazer muito ou pouco por Ele, numa palavra, no escolher entre os sacrifícios que exige. Então, como nos dias de minha primeira infância, exclamei: ‘Meu Deus, escolho tudo’. Não quero ser santa pela metade. Não me faz medo sofrer por vós, a única coisa que me dá receio é a de ficar com minha vontade. Tomai-a vós, pois ‘escolho tudo’ o que vós quiserdes!”.
É impossível ser de Deus, pertencer a Ele verdadeiramente, sem permitir que Ele modifique TUDO o que somos. Corremos o risco de jamais amadurecermos verdadeiramente enquanto medimos e controlamos as áreas nas quais permitimos que o Senhor toque em nossos corações. A Graça que nos alcança precisa encontrar em nós a correspondência de uma vontade interior associada à Sua; uma atitude que, pendendo para a mesma direção que a Graça nos orienta, é potencializada pela ação do Seu Espírito. Somente assim somos capazes de corresponder totalmente, “escolher tudo”, como nos ensina Santa Teresinha.
Sim, Senhor, eu me coloco à disposição da Tua Vontade.
Não posso e não quero viver como quem ainda não teve uma verdadeira experiência pessoal com o Teu Amor, depois de tantos momentos de profundos encontros contigo.
Não tenho, Senhor, esse direito, pois a Tua Graça supera a minha incapacidade humana de corresponder ao Teu Amor, e é a Tua Graça que me sustenta.
Vinde em meu auxílio, Senhor! Vinde fazer novas todas as realidades interiores!
Agir naquelas áreas em que eu ainda não permiti que Tu me transformasses naquilo que Tu desejas para mim.
Faço minha a vontade do Vosso Terno Coração!
Carinho e orações,