A reflexão que compartilho nasceu na época em que trabalhei com tradução e legendagem de filmes. Produzindo as legendas do documentário “A Viagem do Elefante”, o qual aborda a criação da obra e a turnê mundial do escritor português José Saramago, falecido em 2010, e sua esposa, Pilar Del Rio, promovendo seu trabalho.
Realizando a tradução e legendagem do filme, descobri que José Saramago era ateu e comunista. Deixando de lado esse dado específico, gostaria apenas de refletir sobre a fragilidade humana e como o ateísmo mina os alicerces sobre os quais podemos construir nossas esperanças. Um ateu pode negar a necessidade da fé, mas sua autossuficiência carece de firmeza e substância. No cotidiano, talvez, não se perceba essa fragilidade, mas diante da finitude da existência, sinais discretos surgem nos pensamentos e comportamentos humanos.
É paradoxal que, numa era de avanços tecnológicos que buscam prolongar a vida, o ser humano se enrede em uma espiral de vazio. Um horizonte baseado apenas no empirismo fecha-se no nada, ao invés de buscar a liberdade.
O Cardeal Joseph Ratzinger, em sua obra “Introdução ao Cristianismo”, ilustra essa pobreza do pensamento ateísta. Tanto crentes quanto não crentes se deparam, em algum momento de suas vidas, com a indagação: “E se…?”, e questionam a solidez daquilo em que creem. E embora ambos enfrentem conflitos internos razoavelmente semelhantes, seus horizontes de sentido são diametralmente opostos. A fé, ao contrário do que o novo ateísmo propaga, não escraviza o ser humano nem obtura sua capacidade de pensamento e raciocínio, mas traz um profundo sentido à vida do homem, fazendo-o vislumbrar uma existência maior, para além das raias do mundo visível. A mente que se fecha somente no empirismo, ao contrário, é incapaz de esperar por algo grandioso além do conhecido.
Apesar desse drama, há uma “tábua de salvação” para aqueles que não creem. No filme sobre Saramago, duas coisas me tocaram e chegaram mesmo a comover: o amor devoto que o escritor dedicava à sua esposa, Pilar, e sua necessidade de um porto seguro. Numa das muitas dedicatórias que Saramago faz à sua amada ao longo do documentário, e escreve: “A Pilar, o meu pilar”. Não creio estar errado em pensar que tal declaração espelhou a profunda carência do coração de um homem que, embora não creia, busca desesperadamente por algo que dê sentido à sua existência. Este desespero reflete a citação de Santo Agostinho: “Inquietum est cor nostrum, donec requiescat in Te” (Inquieto está o nosso coração, enquanto não repousar em Ti).
O segundo ponto é a frase de Saramago, que escreve “para desassossegar” seus leitores, pois ele mesmo se declara “desassossegado interiormente”. Isso sugere que, mesmo sem crer, há em sua alma um movimento interior que busca algo além. Se a vida se limitasse ao tangível, não haveria desassossego. Acreditar nesse “algo mais”, nesse transbordamento da vida para além das margens do que se pode enxergar, é justamente o que legitima a inquietação do coração humano.
Concluindo, a indagação “E se?” pulsa dentro de nós. Como numa das falas da personagem Trinity, do filme “MATRIX”, “É a pergunta que nos move”. A fé nos puxa em direção à Verdade pela qual nossa alma anseia. Vivamos, pois, conforme esse impulso interior. Aquele em quem depositamos nossa fé é fiel para cumprir suas promessas. O caminho pode não ser fácil, mas Ele nos garantiu que, mesmo em meio aos aparentes fracassos, abrir-se-ão as portas para uma Vida plena de sentido e eterna.
Roberto Amorim
Missionário da Comunidade Católica Missão Maria de Nazaré