Qual a relação da festa que hoje os católicos celebram com a lua? O que há entre o Corpo de Cristo e o astro que preside a noite, para usar terminologia do primeiro livro da Bíblia, o Gênesis. A história começa assim:
Em 1208, uma jovem freira belga chamada Juliana de Cornillon teve uma visão. Surgiu diante dela algo semelhante a uma imensa e brilhante lua cheia e que possuía em seu meio uma cisão, uma linha escura de alto a baixo. Muito fervorosa, porém com o temor do maligno que permeava o imaginário medieval, a jovem ficou apreensiva pensando que a visão fosse obra do demônio querendo infundir-lhe temores. Rezou, então, fervorosamente, pedindo que se a visão fosse divina, Deus lhe esclarecesse o seu significado. Dois anos depois, em 1210, Irmã Juliana escutou uma voz que lhe explicou: “A lua representa a minha Igreja e suas festas, e a incisão escura significa a falta de uma, cuja instituição eu desejo para despertar a fé de todos os povos e para o bem espiritual dos cristãos. Quero uma festa especial em honra ao Santíssimo Sacramento do meu Corpo e do meu Sangue, a Santa Eucaristia”.
Começava a nascer a festa que, em latim, chamamos de Corpus Christi. Só em 1230, Juliana teve coragem de contar a um padre a sua visão. Após sofrer acusações de ter inventado a história, Juliana repetiu-a inúmeras vezes e foi submetida a vários interrogatórios por padres e bispos receosos e sem muita fé. O primeiro padre que ouviu os relatos, no entanto, sempre lhe deu crédito: era o Cônego Jacques de Pantaleón de Troyes, do cabido da Catedral de Liège. A Providência Divina agiu. E quando Jacques de Pantaleón de Troyes, inteligente e piedoso dominicano, que tinha conhecimento detalhado das visões, tendo conversado, segundo alguns relatos, mais de 100 vezes com Juliana, tornou-se o Papa Urbano IV, foi instituída por ele a solenidade do Corpo e Sangue de Cristo para toda a Igreja, no ano de 1264.
E o que é, afinal, o Corpo de Cristo? Na última ceia, quinta-feira santa, Cristo antecipou os mistérios que nos dias sucessivos iria viver. A sua entrega de Amor no alto da Cruz e a sua Ressurreição no Domingo de Páscoa, ele antecipou-as no sinal do pão partido que é seu Corpo dado pela salvação da humanidade. O Corpo e Sangue de Cristo é o Cristo inteiro que se oferece por amor a nós para a remissão dos nossos pecados, abrindo para nós as Portas do Céu. A Igreja sai hoje pelas ruas do mundo inteiro, em solene procissão, com o Corpo de Cristo, celebrando o Amor de Deus que se faz alimento para uma humanidade faminta do Transcendente. E a lua, o que mais se pode dizer dela nesta história? Além de uma referência à Igreja, como o próprio Cristo explica à freira Juliana, pode-se ver neste símbolo a própria hóstia (vítima, em grego), alva, redonda, o pão ázimo que se torna na celebração da Ceia do Senhor, o Corpo de Cristo, e a linha escura que, de alto a baixo, perpassava-a, o sinal da partilha, da doação, do amor que vai até as últimas consequências.
Padre João Dias Rezende Filho
Texto publicado em 12 de agosto de 2012, pelo então seminarista João Dias
Texto publicado no dia 07 de junho de 2012, na coluna Opinião do Jornal “O Estado do Maranhão” pelo então seminarista João Dias Rezende Filho.