Nossa vida corre por caminhos sempre profundamente misteriosos. Fazemos planos, traçamos metas e, não raramente, realidades inesperadas tomam o lugar daquilo que já tínhamos como certo. Nossa inteligência, por mais trabalhada e desenvolvida que seja, jamais terá capacidade de perscrutar todas as nossas vivências.
Em meio a tudo isso, importa saber que tudo se passa conosco não é fruto do acaso, de uma morbidez fatal que nos conduz para um fim histórico, simplesmente para a morte. Tudo faz parte de um misterioso desígnio de amor do Pai para nós, que deseja nos conduzir à maturidade humana e espiritual, à plenitude daquilo que somos. Deseja, enfim, fazer-nos felizes, puros e santos.
De posse dessa verdade, pode parecer contraditório que nossa vida não transcorra somente de momentos “abençoados”, mas, muito frequentemente enfrentamos situações de cruz e dor. Algumas vezes, inclusive, o próprio Senhor parece “surdo” aos nossos rogos e não faz com que o sofrimento desapareça como que por mágica. “Ora, se Ele acalmou a tempestade, por que não manda logo esse sofrimento embora?”. Não é raro pensarmos assim.
Como pode ser que um Deus que tudo pode nem sempre se disponha a me libertar do meu sofrimento, mesmo que eu passe horas e horas, dias e dias clamando por sua misericórdia para que venha em meu auxílio?
Todas as vitórias e derrotas de nossa vida não podem ser vistas como fins em si mesmas, mas eventos que o Senhor permite para que possa nos conduzir à santidade. Assim, especialmente os momentos de dor ficam marcados em nossa história de vida e tornam-se parte daquilo que somos tornando-se matéria prima de nossa oferta de vida ao Senhor.
Precisamos ter claramente em nosso coração que algumas de nossas feridas só deixarão de serem causas de dor se forem assumidas como nossa história de vida como parte do nosso caminho de salvação. Vendo-as à luz do amor de Deus e percebendo que tais feridas apontam para a realização concreta do Seu amor em nossas vidas, descobriremos que é a partir dessas marcas que Deus irá nos reconstruir.
Assumindo nossa história como história salvífica, como lugar privilegiado da ação de Deus em nossa vida, aprendemos que mesmo em meio ao sofrimento, é justamente a partir dessas circunstâncias que o Senhor nos conduzirá da desfiguração do pecado à transfiguração da santidade.
Enfim, é preciso saber também que esse processo de transfiguração não é tão somente uma tarefa humana. Somos limitados e, por nossas próprias forças, somos incapazes de dar passos firmes neste caminho. Nossas fragilidades afetivas, nossa lógica humana, nossa tendência para o pecado comprometem e dificultam esse caminhar. Somente uma profunda vida de oração e intimidade com Deus nos permitirá atravessar esse processo e colaborar com o Senhor na sua obra de salvação em nossas vidas. Ao mesmo tempo, essa intimidade precisa também, de algum modo, tomar parte de nossa vida concreta, nosso dia a dia, a partir de concretos expedientes e atitudes de desprendimento e oferta dessas circunstâncias ao Senhor. Como? Isto há de ser assunto de uma próxima partilha.
Que Deus possa nos atrair à Sua intimidade para nos capacitar, fortalecer, nos conduzir nesse processo de transfiguração. Confiantes em Seu Amor providente e misericordioso, entreguemos cotidianamente a Ele as razões de nossas dores, os cravos e espinhos que marcaram e ainda marcam nossa história para que, de chagas de dor e morte, Ele possa torná-las chagas gloriosas.
Com carinho e orações,