Após a tentativa de explicar o que São João Paulo II definiu como “solidão original”, e qual o seu sentido para compreensão do ser humano original, criado a imagem e semelhança de Deus, cabe agora definir as outras duas experiências fundantes da personalidade e da subjetividade humana de acordo com o Papa: a unidade e a nudez. Neste artigo será falado sobre a experiência da unidade, ou comunhão original, e como a Teologia do Corpo irá defini-la. Já foi dito nos artigos anteriores, que estas três realidades (solidão, unidade e nudez) são experiências observadas no segundo capítulo do livro do Gêneses, no qual se apresenta a segunda narrativa da criação.
A partir da experiência da solidão original na qual o homem observa toda criação e não encontra nela alguma semelhança que lhe fosse compatível, o Criador então percebe a necessidade de dar a sua obra prima uma companhia adequada, pois ele mesmo diz: “Não é conveniente que o homem esteja só” (Gn 2-18). Diante da solidão, Deus traz à existência a figura feminina (Eva) a fim de propor uma união que complete este ser, pois em meio a toda realidade da criação ainda se achou só. A solidão demonstra um sentimento de vazio, de falta, ou seja, apenas é dissipado quando encontrado algo ou alguém que preencha e complete este vazio. A presença de Eva vem dar sentido e esta falta experimentada por Adão.
Tendo em vista que as Sagradas Escrituras apresentam a revelação na qual Deus pretende salvar o mundo, ou seja, atrair a humanidade para que se volte novamente para Ele, seria improvável que ela entrasse em contradição, embora deve-se sempre levar em conta o processo no qual este plano de salvação se configura. Cremos, portanto, que a primeira narrativa da criação e a segunda (Gêneses, cap. 1 e 2), são formas diferentes de expressar a mesma mensagem. No capítulo primeiro o ser humano é criado integralmente, de modo que homem e mulher são uma só carne, que representam a imagem e semelhança de Deus. Já no capítulo dois, o ser masculino (Adão) parece ser criado primeiro e o feminino (Eva) em seguida. Neste caso, não há contradição, pelo contrário, os dois textos se completam, pois irão demonstrar que a vontade de Deus para o ser humano passa pela comunhão do ser masculino e feminino, não apenas pelo fato de só desta forma ser possível que a espécie se perpetue (é assim também com os outros animais), mas porque é a partir desta união que Deus também se une , por meio do seu Espírito, e a comunhão se torna mais plena.
Desta forma, levando em conta que estes dois capítulos tem a finalidade de se completarem no que se refere a realidade deste homem original e no ato da revelação criadora do ser humano, é importante considerar que este ser humano integral visto no capítulo 1, parece surgir no capítulo 2, por iniciativa criadora de Deus, com sua dupla unidade, a fim de demonstrar que Deus dá ao ser humano, a partir da experiência da solidão original, a capacidade de também gerar vida por meio da união dos sexos, da mesma forma que da união da trindade o ser humano teve sua origem.
A Teologia do Corpo nos ensina também que é possível perceber por meio da analogia bíblica, que naquele sono em que Deus dá à Adão para que se tirasse uma costela e que por meio desta ele desse origem a sua companheira, é que está a manifestação do plano de Deus, pois hora o homem dormiu um (homem integral), mas acordou sendo dois (homem e mulher). Nas palavras de João Paulo II ele irá dizer que: “como conteúdo daquele sonho, um «segundo eu», também ele pessoal e igualmente relacionado com o estado de solidão original, isto é, com todo aquele processo de estabilização da identidade humana relativamente ao conjunto dos seres vivos (animalia), enquanto é processo de «diferenciação» entre o homem e tal ambiente. Deste modo, o círculo da solidão do homem-pessoa quebra-se, porque o primeiro «homem» desperta do sono como ‘macho e fêmea’” (catequese número 8 – 07/11/79).
A mulher é feita “com a costela” que Deus tirara ao homem, tratar-se aqui de uma conformidade e é confirmada também pelas primeiras palavras do homem à mulher recém-criada: “Esta é realmente o osso dos meus ossos e a carne da minha carne” (Gên 2, 23). A mulher é criada da costela para demonstrar que é (ou deve ser) igual ao homem em dignidade, ou seja, nem acima, nem abaixo, não deve estar nem na frente e nem atrás, mas ao lado. Apesar de toda a diferença que existe para que haja a complementariedade (ou comunhão), é na dignidade que homem e mulher são iguais.
Enfim, São João Paulo II irá concluir esta reflexão dizendo que a criação do homem consiste na criação da unidade de dois seres, que embora semelhante, possuem suas diferenciações e por causa disso se completam. E é graças a esta comunhão que o homem se tornou “imagem e semelhança” de Deus. Não só mediante a própria humanidade, mas ainda mediante a comunhão das pessoas, que o homem e a mulher formam desde o princípio. A função da imagem está em espelhar aquele que é o modelo. O homem, portanto, eleva sua imagem e sua identidade enquanto pessoa tanto no momento da solidão, quanto no momento da comunhão original.
Valdo Júnior
Cofundador da Missão Maria de Nazaré