Neste artigo, a fim de dar sequência as reflexões acerca da Teologia do Corpo, será falado sobre a primeira parte das três que organizam todo o conjunto das catequeses. Como foi dito no artigo anterior, esta primeira parte pode receber o nome de “redenção do corpo”, pois é neste momento em que o Papa fará uma reflexão existencial do ser humano, ou seja, sobre o homem original, histórico e escatológico (princípio, meio e fim). Em relação ao homem original João Paulo II faz referência ao Gênese e compreende que existem três realidades, apresentadas neste primeiro livro das Sagradas Escrituras, que expressam características fundantes da personalidade humana: a solidão, a unidade e a nudez original. Neste artigo, portanto, será feita uma tentativa de compreender o que o Papa quis dizer sobre a solidão original do homem.
Na primeira apresentação da criação do mundo (cf. Gn 1) não é feita uma distinção entre homem e mulher, mas Deus cria ambos em um ato conjunto: “Façamos o homem a nossa Imagem e Semelhança” (Pai, Filho e Espírito Santo). Este homem pode ser compreendido como o ser humano integral sem distinção de gênero, porém ainda neste capítulo é dito “…façamos o homem e a mulher”, mas com um sentido no qual o homem e a mulher aparecem como um só. Aí está uma grande leitura do Papa acerca da criação humana. O homem e a mulher por si só são imagem e semelhança de Deus, porém unidos em matrimônio ainda mais, já que Deus é “relação de Amor”. Vai dizer São João Paulo II que o corpo humano é um símbolo, um sinal visível de Deus, porém só pode ser considerado imagem e semelhança quando estão unidos num ato de amor mútuo, e deste modo, envolvidos com o amor de Deus. É importante lembrar que a vida conjugal só é devidamente abençoada por Deus quando estão sob o sacramento matrimonial. Diante disso, surge a questão: e os sacerdotes e religiosos, nunca serão imagem e semelhança de Deus? Esta pergunta será mais bem respondida na segunda parte das catequeses que irá se referir a “sacramentalidade do matrimônio”, no qual o Papa fará uma maravilhosa definição do celibato como antecipação do desejo de Deus para com a Igreja que é a união celeste no qual todos nós alcançaremos na glória do céu.
Pois bem, feito esta reflexão acerca da primeira narrativa na criação, o que nos importa agora é refletirmos sobre a segunda narrativa, que fará uma apresentação mais subjetiva da criação humana. No capítulo 2 do Gêneses o homem é criado primeiro e em seguida a mulher, que inclusive vem do corpo do homem. Embora haja uma compreensão obvia de que Adão e Eva se referem ao masculino e feminino, João Paulo II vai dizer que este homem é na verdade o ser humano integral (imagem e semelhança de Deus), a obra prima da criação, aquele no qual tinha perfeita intimidade com seu criador. Porém este ser humano passa por uma experiência curiosa, a experiência da solidão.
Esta solidão é apresentada como o momento em que o ser humano procura em meio aos animais alguém que lhe fosse semelhante, porém não encontra. Embora Deus fosse este alguém semelhante, não era uma companhia do campo material e, portanto, não correspondia a expectativa humana. A palavra vai dizer então que em meio a esta solidão original Deus diz: “Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele” (cf. Gn 2, 18). Mediante esta apresentação o homem demonstra, as outras espécies, sua superioridade, porém do mesmo modo, sua inferioridade em relação a Deus.
Em relação a solidão original do homem, o Papa vai dizer que o homem não está apenas essencialmente ou existentemente só, mas principalmente subjetivamente só, pois Deus o proporciona alguém que o complete, que seja uma “companhia adequada”, ou seja, em todos os sentidos. A solidão do homem se caracteriza da sua diferença do mundo visível, portanto, por meio desta análise tornamo-nos testemunhas do modo como o homem se distingue, diante de Deus, de todos os outros seres vivos, como um primeiro ato de autoconhecimento, que pode-se dizer, inaugura a personalidade humana, pois se revela, e ao mesmo tempo se afirma, ao mundo visível como pessoa.
O texto antigo vai, portanto, definir o homem como pessoa com a caracterização de sua subjetividade. A solidão original irá contribuir para incluir a esta personalidade a capacidade de autoconsciência (sou diferente dos demais seres vivos) e de autodeterminação (preciso de alguém que me complete). A análise do texto do capítulo 2 do Gêneses permite-nos também relacionar a solidão original do homem com a consciência do corpo, mediante o qual o homem se distingue de todos os demais seres vivos e se “separa” deles para se auto determinar como pessoa humana. Esta consciência do corpo é fundamental para que esta distinção fosse feita, pois foi através da percepção da diferença exterior que o homem notou que não havia em seu meio alguém semelhante a ele. Esta distinção foi importante também para determinar a superioridade da homem frente os demais seres, no qual ele se vê capaz e responsável pelo cuidado da terra e dos animais, no qual só ele pode cultivar e transformar segundo suas próprias necessidades.
Por fim, a experiência da solidão original apresenta-se como algo essencial para a formatação da subjetividade humana e a constituição do homem do princípio. São João Paulo II para concluir a sua análise sobre a solidão original ele vai dizer que: “àquela dimensão de solidão através da qual o homem, que desde o início, está no mundo visível como corpo entre os corpos, descobre o sentido da própria corporalidade”. Deste modo, resta-nos agora compreendermos o sentido da unidade e da nudez, que também irá colaborar para a compreensão do ser humano original.
Por Valdo Júnior | Missão Maria de Nazaré