Uma das principais motivações do Papa São João Paulo II em tratar deste importante tema, acerca do que ele mesmo chamou de ‘Teologia do Corpo’, foi explicar a essência e o fundamento do amor humano no plano divino, para assim trazer novamente os pontos abordados na encíclica ‘Humanae Vitae’ e explica-los com a propriedade de quem examinou toda a realidade da sexualidade humana a luz do evangelho. Ele mesmo explica que: “As reflexões, até agora desenvolvidas sobre o amor humano no plano divino, ficaram de algum modo incompletas se não procurássemos ver nelas a aplicação concreta no âmbito da moral conjugal e familiar. Queremos utilizar este passo ulterior, que nos levará a conclusão do nosso já longo caminho, com base em um importante pronunciamento do Magistério recente: a Encíclica Humanae Vitae (HV), que o Papa Paulo VI publicou em julho de 1968. Iremos reler este significativo documento à luz das conclusões a que chegamos quando examinamos o plano divino original e as palavras de Cristo, que a ele se referem.” (TdC 118). Com esta explicação São João Paulo II, inicia a conclusão de sua ‘Teologia do Corpo’ analisando os conceitos e princípios defendidos por seu antecessor.
A Igreja sempre ensinou que o matrimônio possui uma dupla finalidade: O bem dos cônjuges e a transmissão da vida”. Assim explica o Catecismo da Igreja Católica: “Pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do matrimónio: o bem dos próprios esposos e a transmissão da vida. Não podem separar-se estes dois significados ou valores do matrimónio sem alterar a vida espiritual do casal nem comprometer os bens do matrimónio e o futuro da família. O amor conjugal do homem e da mulher está, assim, colocado sob a dupla exigência da fidelidade e da fecundidade.” (CIC § 2363). Seguindo nesta mesma direção a Encíclica ‘Humanae Vitae’ do Papa Paulo VI diz que o ato conjugal possuem dois significados: unitivo e procriativo (cf. HV 11-12). Para melhor explicarmos estes termos e estabelecermos sua relação, pode-se ilustrar com o seguinte quadro:
NO MATRIMÔNIO CRISTÃO | ||
Dupla finalidade: | O Bem dos Cônjuges | A Transmissão da Vida |
Dupla exigência: | Fidelidade | Fecundidade |
Duplo significado: | Unitivo | Procriativo |
Sobre esta realidade dupla vivida no matrimônio, o Papa reforça que são finalidades, exigências e significados complementares e também inseparáveis, de modo que, na tentativa de buscar uma coisa ignorando a outra, o matrimônio terá prejuízos enormes, afetando assim toda vivência saudável das relação conjugal e familiar. Ele mesmo afirma: “Não se trata, aqui, de outra coisa senão de ler na verdade a ‘linguagem do corpo’, como foi dito diversas vezes nas precedentes análises bíblicas. A norma moral, ensinada constantemente pela Igreja neste âmbito, e recordada e reconfirmada por Paulo VI na sua Encíclica, deriva da leitura da ‘linguagem do corpo’ na verdade. O que está em jogo aqui é a verdade, primeiro na dimensão ontológica (estrutura íntima) e, depois, como consequência, na dimensão subjetiva e psicológica (significado). O texto da encíclica salienta que, no caso em questão, estamos lidando com uma norma da lei natural.” (TdC 118). Esta verdade expressa pela ‘linguagem do corpo’ possui, portanto, a dimensão própria do ser (ontológico) e a dimensão da pessoa (psicológico). Deste modo, a norma moral precisa considerar tanto a natureza do ser humano quanto as particularidades de cada pessoa.
Para compreender esta norma que rege o ser humano no que se refere ao modo de vida, ou seja, em sua vivência moral e ética, principalmente nas relações entre o homem e a mulher, o Papa São João Paulo II afirma que esta norma encontra fundamentação tanto na lei natural quanto na revelação divina: “(…) Torna-se evidente que a mencionada norma moral faz parte não só da lei moral natural, mas também da ordem moral revelada por Deus”. (TdC 119). O Papa ainda reforça na mesma catequese a importância de considerar a lei moral sem desconsiderar a verdade expressa na revelação divina contida na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, visto que não há oposição, pelo contrário, ambas se completam para apresentar o homem total, corpo e alma. Ele diz que: “A norma da lei natural, baseada neste ethos da redenção do corpo, encontra não só uma nova expressão, mas também um mais pleno fundamento antropológico e ético quer na palavra do Evangelho, quer na ação purificadora e corroborante do Espírito Santo.” (TdC 119). Assim, São João Paulo II reafirma a proposta de apresentar uma ‘Antropologia Adequada’, ou seja, uma visão que não fragmente o ser humano, mas que expresse toda a sua essência, natural e sobrenatural.
Para concluir esta parte de sua reflexão, o Papa São João Paulo II reforça a importância e o valor, por muito tempo ignorado e até desprezado, da Encíclica do Papa Paulo VI: “A Encíclica Humanae Vitae quer ser, de fato, uma resposta às questões do homem e mulher contemporâneos”. (TdC 120). Nesta mesma catequese, o Papa quer também refutar os ataques que esta publicação do Papa Paulo VI sofreu, dentro e fora da Igreja, principalmente devido as críticas claras feitas acerca da contracepção e as orientações sobre a moral sexual: “(…) Quem julga que o Concilio e a Encíclica não levam suficientemente em conta as dificuldades presentes na vida concreta não compreende a preocupação pastoral que deu origem a estes documentos. Preocupação pastoral significa buscar o verdadeiro bem do homem, a descoberta cada vez mais clara do desígnio de Deus sobre o amor humano, na certeza de que o único e verdadeiro bem da pessoa humana consiste em colocar este plano de vida em ação.” (TdC 120).
Por Valdo Júnior | Missão Maria de Nazaré
- #1 – Teologia do Corpo do Papa João Paulo II
- #2 – Em colóquio com Cristo sobre os fundamentos da família
- #3 – A redenção do corpo
- #4 – O Ser humano Integral
- #5 – O homem original: solidão, unidade e nudez
- #6 – A solidão original
- #7 – A unidade ou comunhão original
- #8 – A nudez original
- #9 – O significado esponsal do corpo
- #10 – A inocência original
- #11 – Conhecimento e procriação
- #12 – Cristo se refere ao coração humano
- #13 – À luz do sermão da montanha
- #14 – O significado da vergonha
- #15 – O homem da concupiscência
- #16 – Mandamento e Ethos
- #17 – O coração: acusado ou chamado
- #18 – O maniqueísmo
- #19 – Os ‘mestres da suspeita’
- #20 – Pureza como “Vida segundo o Espírito”
- #21 – Cristo se refere à Ressurreição
- #22 – A Realidade da Ressurreição
- #23 – A ressurreição e o significado esponsal do corpo
- #24 – Um novo Adão
- #25 – O Celibato para o Reino dos Céus
- #26 – Celibato e Matrimônio
- #27 – Dimensão da aliança e da graça no Matrimônio
- #28 – Analogia esponsal
- #29 – Mistério e Dom no amor esponsal
- #30 – O matrimônio e a redenção do corpo
- #31 – Matrimônio e a dimensão do sinal
- #32 – A ‘linguagem do corpo’ relida na verdade
- #33 – Cântico dos Cânticos
- #34 – Um Jardim fechado, uma fonte selada
- #35 – A linguagem do corpo no casamento de Sara e Tobias
- #36 – A Lei da Vida como herança
- #37 – A norma moral e a Verdade da ‘linguagem do corpo’